Ontem eu nasci: era 1930
Hoje eu estou aqui: é 2007
Amanhã estarei lá: será 2008
Nem me perguntem o que é que eu ando fazendo neste Mundo que Deus nos deu. Mas eu posso responder simples: vivi tudo com a aceitação própria de quem é pobre e sabe que tem de trabalhar, sempre e sempre, na esperança que nunca morre (corriqueiro mas bom de dizer…) e que, continua a ser a minha razão de me sentir ser humano, que espera o melhor que Deus me quiser dar. Fui educado no tempo em que na mesa da refeição não há brincadeira. O ritual é respeito. Para sair da mesa, só depois de autorizado pelo Pai. Estopada, mesmo nesse tempo de minha infância em que eu já me atrevia a querer ser homem… prematuramente. Absoluto. Impraticável nos dias de hoje com filhinhos a gritar “não quero, não gosto… que porra de sopa é esta”. Nos estudos fui um cábula. O que hoje sei e sou… devo-o a alguns companheiros de trabalho que souberam me entender. Sempre soube aprender com os outros e repescando saberes onde eles estavam. Sou um autodidacta. Já morri algumas vezes no escrever dos outros e nos dizeres de outros que se distanciaram e foram mal informados. A morte me visitou várias vezes é certo, em momentos que de mim exigiram muita reflexão e ponderação para não me lançar no precipício que eu via na minha frente. Doze anos em zona de guerrilha (traiçoeira…) entre 1975 e 1989, deram-me maturidade e possibilidade de ultrapassar meu obscurantismo político. Além dessa vertente importante, foi o período em que longe da cultura geral sem ler livros, sem actualidade, sem tempo para lazer, pensando, apenas, no trabalho, na luta quotidiana pela estabilidade laboral e pessoal-familiar, repito, foi o período em que mais enriqueci meu ego humano. Aprendi muito com a ignorância de um povo inerte, irreverente nas raízes culturais, surpreendido com a abertura que a independência de Angola lhes concedeu, sem entenderem os confrontos entre indígenas, a morte que enlutou milhares de angolanos… vítimas da ganância de interesses estrangeiros que subsidiaram os movimentos fantoches angolanos e alguns pseudo-angolanos chefiados por pessoas que me pareceram ter problemas psíquicos graves. Mas, sinceramente, com as crianças que começavam a falar após o 11 de Novembro de 1975 – Dia da Independência de Angola -, com quem me cruzei e vivi largos momentos é que eu me reconheci, melhor descobri que dentro de mim havia um outro ser adormecido, ignorante e desconhecedor das verdades severas da infância de um povo a crescer sem condições e longe da civilização onde se estuda e aprende a ser alguma coisa na vida. É simplesmente maravilhoso mas confrangedor, falar com um ser humano sem maldade… puro. Dar uma amêndoa a um miúdo nessa situação, que tem medo de aceitá-la e se afasta por recear que seja um engenho explosivo… dá para sintetizar as almas das crianças angolanas com quem eu aprendi a voltar a ser criança.
Fico-me por aqui neste momento em que verifico que minha mente se extravasou e ultrapassou os limites próprios dos textos de um post. Alonguei-me demasiado: 3500 caracteres… chega, por hoje. Adolescência, formação humana e vivência renasceram neste "ao correr da pena". Acredito que um dia destes, talvez, me sinta capaz de continuar a dar largas às memórias que estão enraizadas na minha massa cinzenta. E, elas são tantas!