sábado, março 10, 2007

CULTURA



DE ANGOLA A PORTUGAL
por mares nunca antes navegados
por uma traineira sem marinheiros



Corriam os dias tumultuosos que antecederam a Declaração de Independência.

Ia iniciar-se o êxodo da população branca, dando origem à maior Operação de Repatriamento que Portugal tinha conhecido.

Porém, nem todos esperaram pelas acções oficiais...

Meia dúzia de homens, cujo contacto com o mar se resumia às idas à praia, resolveu enfrentar a tarefa do regresso a Portugal numa pequena traineira.

Após vinte e quatro dias, sem aportar, lograram alcançar Terra Lusa.


Eu vivi esta época de êxodo dos portugueses que ali faziam a sua vida ao longo de muitos anos. Numa Angola calma e em nada denunciadora de violências. Todos éramos amigos uns dos outros. O “bom dia, tarde ou noite” era dado sem ser necessário ser vizinho ou conhecidos. Éramos solidários com as vidas de cada um. Porém, a maioria vivia numa tranquilidade longe de certas realidades que fomentavam alterações no Mundo que lutadores como Luther King, Mandela, Samora, Amílcar Cabral e Agostinho Neto lideravam na busca pela liberdade dos seus povos. O obscurantismo político, ainda que negligente da maioria da população branca, era uma realidade e, quanto a mim, foi a causa do medo que se gerou nas mentes dos brancos quando ouviram falar em “Poder Popular” e em independência, perante a derrocada dos forças militares que o ditador fascista Salazar, havia decretado com a célebre frase: “Para Angola com força…”

A maioria da população entrou em pânico. Uns com problemas de consciência por terem andado a explorar os negros durante anos… outros por não acreditarem na possibilidade de conviver em terra governada por negros… mas, a maioria foi mesmo por obscurantismo político.

Muitos também ficaram. E não foi uma dúzia, não. Foram alguns milhares. Entre estes fiquei eu, e devo aqui deixar bem afirmado: no dia da independência de Angola, ouvindo os petardos em Caxito, com a UNITA (apoiada pelos EUA) e os SULAFRICANOS (idem) a serem escorraçados pelas FAPLA e pelos CUBANOS, andei pelas ruas de Luanda a fazer reportagem para a Rádio Nacional, e nem sequer fui beliscado. Já antes, andei sempre pelas ruas como antes andava e não fui provocado lidando, dia-a-dia com a população expectante.

A população branca mudou-se para o aeroporto e para o porto marítimo, despachando tudo quanto era possível, desde mobílias a automóveis aproveitando os meios postos à disposição pelo governo português.

Ainda hoje sinto pena. Foi tudo muito precipitado. Tenho a certeza de que muitos dos que se foram ontem, hoje estariam bem em Angola. Eu ali fiquei mais 12 anos e foi nesse período que tive a graça de Deus de ver nascer o meu caçula, hoje com 23 anos.

Toda esta breve narrativa vem a propósito do livro de Joaquim de Lisboa –





Algo curioso, arrojado e, sobretudo, revelador na ótica do seu autor, que eu convido a ser adquirida. Clique na imagem e adquira, online, esta obra e fique a par da aventura vivida por esse grupo de aventureiros. Vale a pena. Pode crer.