UNITA não mudou
"São as próprias declarações da UNITA nos seus tempos de antena, assim como as teses defendidas publicamente pelos seus quadros, que desmentem a alegada “mudança” do maior partido da oposição".
*João Melo O líder do maior partido da oposição disse numa entrevista ao semanário A Capital, publicada no dia 9 de Agosto deste ano, quatro dias depois do início da campanha eleitoral, que “a UNITA está mudada”. No mesmo dia, o escritor, jornalista e militante da referida organização, Sousa Jamba, referia-se, em artigo especial publicado no Semanário Angolense, que “muitos membros da UNITA resistiram aos instintos centralistas da sua antiga liderança”, dando a entender que são esses militantes que controlam hoje plenamente a organização. Esqueceu-se apenas de um detalhe: a antiga liderança da UNITA não foi derrotada por esses militantes, mas, sim, pelo governo dirigido pelo MPLA. Será que a UNITA mudou mesmo?Para demonstrá-lo, não basta, como o fez Isaías Samakuva na entrevista ao jornal A Capital, afirmar que o partido já não tem mais armas. Quanto a mim, seria necessário acrescentar, pelo menos, duas coisas: primeiro, reconhecer que não foi a UNITA que abandonou voluntariamente a via armada para tomar o poder; e segundo, apresentar um outro projecto de fundo para o país, diferente daquele que motivou essa organização para a guerra. Não é preciso ter acesso a informações exclusivas para afirmar que, naquilo que para mim é básico e vem antes de qualquer outra coisa (emprego, moradia, saúde, educação ou o que for), a UNITA continua a mesma. Refiro-me ao projecto de nação defendido realmente por esse partido.O facto é que o maior partido da oposição continua fiel ao projecto de Muangai. Isso foi reafirmado, por exemplo, no seu tempo de antena de rádio difundido no dia 7 de Agosto. Convido igualmente os leitores a ler a carta do candidato a deputado da UNITA, Emanuel Samakuva Bianco, publicada pelo Novo Jornal no dia 1 de Agosto. Na carta, o candidato escreve: “Cada um destes membros da família Samakuva continua a dar a sua sabedoria e força na defesa dos ideais de Muangai”. Ora, o que diz o Programa de Muangai, em termos de projecto de nação e de sociedade? Segundo o mencionado programa, o propósito fulcral da UNITA é implantar em Angola o “socialismo negro africano”. O conceito, embora anti-científico (os modelos de organização social não têm cor), diz tudo. Admito que a ideia, em 1966, poderia ter alguma lógica, embora inaceitável (nesse sentido, o Manifesto do MPLA, aprovado dez anos antes, era muito mais avançado). Mas continuar a defender isso em pleno século XXI é inquietante. A propósito, quem quiser saber como a “massa crítica” da UNITA lida com a realidade multi-étnica e multi-racial de Angola pode ler o artigo de Sousa Jamba “Era uma vez em Londres”, publicado no Semanário Angolense, a 9 de Agosto. Nesse artigo, os angolanos de origem bakongo, assim como as “mulatas”, são tratados com base nos lugares comuns e nos esteriótipos mais vulgares (estou a ser generoso). Eis uma citação: “Nas farras promovidas por essa comunidade, as mulatas tornavam-se autênticas rainhas. Era ali que regressados idos do Palanca, Petrangol e Kikolo procuravam as suas chances de namorar uma mulata. Para atraírem as atenções das mulatas, os regressados tinham de provar que dinheiro era algo com que brincavam. Lembro-me de uma violentíssima luta, em Hammersmith, em que dois regressados quase perderam as vidas por causa de uma mulata que, de dia, ganhava uns tostões lavando pratos num hospital de Londres”. São, portanto, as próprias declarações da UNITA nos seus tempos de antena, assim como as teses defendidas publicamente pelos seus quadros, que desmentem a alegada “mudança” do maior partido da oposição. Como escrevi nesta coluna após o último congresso da referida organização, a UNITA continua fiel ao ideário do seu antigo líder, Jonas Savimbi. Isso foi igualmente reafirmado no seu tempo de antena televisivo transmitido no dia 18 de Agosto. Por outro lado, e segundo testemunhas, os jovens da UNITA que saíam de um encontro com o líder do partido no passado dia 16 de Agosto, no cine Karl Marx, gritavam uma estranha palavra de ordem, incitando à vingança contra “quem matou Savimbi”. Não a reproduzo, para não amplificá-la desnecessariamente. O importante é sublinhar que, nestas eleições, continuam a estar em jogo dois projectos de nação.
* JOÃO MELO, jornalista e escritor angolano, é diretor da Revista África21 e assina coluna no Jornal de Angola.