sexta-feira, outubro 14, 2005

diário-2

O PIOR DA DOENÇA É A IMPESSOALIDADE, A QUE ELA NOS CONDUZ SEM NENHUMA ESPÉCIE DE VONTADE PRESERVADA - QUANTO À INTIMIDADE, DEVASSADA POR DENTRO E POR FORA NEM É BOM FALAR NISSO - O INDIVÍDUO SENTE-SE APENAS UM MANEQUIM DORIDO, QUE MÃOS ESTRANHAS OU FAMILIARES MANOBRAM COM DOÇURA DE UMA PACIÊNCIA EXAUSTA.
[ Miguel Torga - Diário - VIII ]


EPISÓDIO DOIS

ESTA É UMA ESTÓRIA DE FICÇÃO QUE PODE CONTER CENAS EXPLÍCITAS, ASNEIRAS IMPENSÁVEIS, VÍRGULAS FORA DO SÍTIO, SINTAXES DISCUTÍVEIS, ONDE QUALQUER SEMELHANÇA COM NOMES, SIGLAS, INSTITUIÇÕES, FACTOS DA VIDA REAL É PURA COINCIDÊNCIA.
oooOOOooo

Terça-feira, da mesma semana, ao bater das 07h00 : -
Hoje é o dia marcado. Dia de sol, nesta manhã que ocorre após noite turbulenta, na qual meu pensamento divagou, magicou sei lá que coisas forçadas pela ansiedade, talvez... ou cansaço de estar tantas horas na cama. Tudo se desanuviou com a entrada do enfermeiro:
- Meus senhores, vamos a levantar. Tomar banho, estão aqui dois tubinhos de gel para limpar o intestino (o seguro morreu de velho...), e toca a vestir essas roupinhas especiais pois serão operados hoje.
Olhei para o que eu deveria enfiar no meu rabiosque... Ufff. Tubo fininho... sem problema. Respirei fundo e fui para a banhoca. Antes fiz tal e tal e claro, dever cumprido. Que coisa arrepiante.. bolas!
Eu pertenço ao grupo dos homens de tamanho médio (M) mas se fosse do tamanho (XL) estava tramado. Num banheiro com 1 mt. quadrado... quem pode se escovar nas costas e levantar pernas sem bater com o joelho na parede? Seja. Fiquei fresquinho e nada de voltar a magicar fosse o que fosse. Peguei no monte da rouparia: um bata verde (daquelas que se vestem ao contrário, isto é, a parte aberta fica para trás e aperta-se com lacinho junto à nuca); vesti. Olhei para um pacotinho e lá estava um par de meias brancas. Abri, fiz uma pesquiza anatómica e vesti (ou calcei?...). Meia no pé deixava o polegar de fora e subia até à barriga... bem grandes mas apertadinhas por elásticas. Olhei para meus companheiros... já fardados como eu... com aspecto de "maluquinho que pensa ser médico de família". Meia branca -género collant - bata verde que acaba onde nem uma mini-sai ousada chega... gargalhei para dentro e fiquei quietinho no meu cantinho, aguardando ser levado de cama para fora da enfermaria. Qual quê! Chegou o enfermeiro:
- o senhor Carlos tem d'ir fazer um exame agora, antes da operação.
Que lindeza... eu naquela tal figura pelos corredores fora olhando todos os lados e segurando a bata para encobrir o encobrivel... OK. Electrocardiograma feito, voltei para a enfermaria, e quando pensava que era já hora de ir à faca... de novo um enfermeiro (diferente do primeiro. Este mais austéro e de ar superior...):
- o senhor Carlos tem de ir fazer um raio-X.
Porra! Fiquei tremelicando. Que é isso? Outro? Lá fui seguindo o dito cujo informador. Demorou p'ra ca...! Fotografado meu torax...peguei na radiografia e nem esperei pelo dito cujo para voltar à enfermaria... Eu, ficar sentado aí na sala de espera com meio mundo olhando minhas pernas e querendo adivinhar que estava aí fazendo... não. Nunca! Desandei rapidinho pela porta do cavalo.
Finalmente acabaram os imprevistos. Então estes exames que atrasaram a minha cirurgia (era para ser às 08h00 e foi às 12h00) não deviam ser feitos na véspera? Claro que sim... mas alguém falhou de certeza... e de pouco ou nada serviu o questionário a que fui submetido e referi no Episódio UM. Fiquei preocupado... teriam eles esquecido algo mais?
ÚLTIMA HORA: Pouco antes, vi uma seringa e agulha em riste... eis que o alvo era a minha barriga. Zás.. já está... mas picada eu senti. (Quando é que acaba esta merda!)
- senhor Carlos, esta injecção é para evitar a trombose (kkk)deite-se, ponha este barrete na cabeça e lá vamos nós para o bloco operatório...    Lembrei-me do vendedor de sorvetes ambulante... fechei os olhos e aguardei pela hora certa. Eram 12h10.( CONTINUA )